Embrapa Monitoramento por Satélite


CONCLUSÃO



As queimadas no Estado do Mato Grosso apresentam uma dinâmica espaço-temporal bem definida, condicionada a diferentes fatores ambientais, sociais e econômicos.

O fenômeno das queimadas está forte e intimamente relacionado aos desmatamentos. Existem, basicamente, duas condições definindo essa associação: 1) a abertura de novas áreas, na frente de expansão da fronteira agrícola, dependentes da utilização do fogo para eliminar os restos de matéria orgânica resultante do corte e derrubada da floresta; 2) os agentes da ocupação inicial das novas áreas, incorporadas à atividade agropecuária, são geralmente agricultores e pecuaristas descapitalizados, voluntários ou assentados por programas governamentais, que "colocam" o homem no campo, mas não conseguem promover o desenvolvimento tecnológico dos sistemas de produção convencionalmente adotados.

Esse trabalho mostrou que a série histórica dos dados de queimadas deve ser vista como uma variável com potencial dinâmico e não simplesmente a ser utilizada na identificação e localização de pontos isolados. A compreensão desse fenômeno passa invariavelmente por uma análise da sua dinâmica.

Na formação dos agrupamentos gerados pela análise de cluster, foram percebidas evidências da existência de articulações entre os diferentes atores que se sucedem na ocupação e transferência das terras amazônicas. Tais evidências estão presentes desde a fase inicial de ocupação - marcada, muitas vezes, pela extração de madeiras com elevado valor comercial - até a substituição desse extrativismo pela agricultura ou pecuária, com adoção dos mais altos níveis tecnológicos como uso de adubos químicos, pesticidas, maquinário específico etc.

Diferentemente da atividade pecuária, sempre presente no front, o cultivo de grãos, em grande escala, não mostrou possuir relação direta, significativa, com a expansão da fronteira agrícola. Apesar disso, considerando as relações existentes entre os diferentes atores, não se pode, com tal constatação, eximir a expansão da soja, no Mato Grosso, como uma das variáveis responsáveis pela aceleração percebida na dinâmica da fronteira agrícola, na última década.

A dinâmica "progressiva, com incidência de queimadas muito alta", detectada nos municípios de Tapurah e Sorriso, no período abordado, mostrou que o processo de entrada e estabelecimento da soja está relacionado, mesmo que de forma indireta, à elevação da incidência de focos de calor e à aceleração da dinâmica de uso das terras.

Ações isoladas de monitoramento, combate e controle de queimadas ou desmatamentos, serão incipientes se não houver um esforço prévio de compreensão dos fenômenos que regem essas ações.

Não há dúvidas quanto aos impactos negativos da componente especulativa da posse da terra, cujo incentivo pode ocorrer tanto pela utilização das vias de acesso, abertas pela extração seletiva de madeira, quanto pela abertura de estradas por parte dos governos municipal, estadual e federal. Da mesma forma, não há mais como questionar a eficiência da adoção de estratégias radicais de transformação da paisagem, como a erradicação total da cobertura vegetal original, no processo de disputa e posse da terra. Inúmeras evidências convergem para a situação de absoluto desconhecimento e descontrole fundiário, na região da Amazônia Legal, como a principal componente responsável pela ferocidade e agressividade percebidas no processo de disputa pela posse das terras.

A autonomia do mercado de terras estabelecido na região prevalece sobre as irrisórias, pontuais e ineficientes políticas e ações preservacionistas, deflagradas pelos governos estadual e federal. Pior: as políticas desenvolvimentistas e preservacionistas, deflagradas contemporaneamente por diferentes setores do governo, são incompatíveis e agravam os problemas, gerando inúmeros conflitos de ordem ecológica, social, econômica e fundiária, ainda mal dimensionados e mal conhecidos.

A análise, a discussão e a compreensão desse cenário, complexo e dinâmico, são fundamentais e inevitáveis se realmente houver disposição para mudar o quadro atual de políticas públicas e ações de comando e controle e para formatar novas alternativas de atividades antrópicas ecologicamente sustentáveis, economicamente menos gananciosas e socialmente mais justas.

É essencial e indispensável coordenar e harmonizar as iniciativas dos diferentes setores do governo como o Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Meio Ambiente, Ministério dos Transportes, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério de Minas e Energia, entre outros, na busca da solução para problemas tão graves e crônicos. Enquanto as queimadas forem tratadas como um fenômeno isolado, fora do contexto próprio e exclusivamente por setores restritos do governo (no caso atual, pelo Ministério do Meio Ambiente), continuaremos assistindo ao agravamento da já complexa situação fundiária, ambiental, agrícola, social e econômica da Amazônia.


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