Embrapa Monitoramento por Satélite


ANTECEDENTES



A atual ocupação humana do espaço amazônico, particularmente no Estado do Mato Grosso, deriva de um cenário de transformações e de um histórico de motivações políticas e ações. A evolução de tal ocupação está relacionada a algumas ações governamentais de incentivo ao povoamento da região e a tentativas de controle e solução dos impactos ambientais e sociais gerados nesse processo. Destacamos, a seguir, brevemente, os principais instrumentos e tecnologias arrolados na tarefa de identificar e mapear as alterações ambientais de origem antrópica. Uma análise mais detalhada e circunstanciada dos mesmos elementos é apresentada no Anexo1.

Até a década de 50, a ocupação e produção agropecuária da Região Amazônica caracterizaram-se por uma atividade pecuária praticamente sem expressão. Desenvolvida sobre campos, pastagens naturais e várzeas, tal atividade se distribuía, sobretudo, nos Estados do Pará, Tocantins, Mato Grosso, Amapá e Roraima.

A dimensão territorial da Amazônia, aliada à sua baixíssima densidade populacional, já despertava enorme interesse internacional e delineava a necessidade política de se estabelecer uma definitiva e reconhecida soberania nacional sobre esse território, até mesmo nas suas porções mais isoladas e distantes. Tal sentimento mobilizou o Governo Federal, tornando prioritária a implementação de infra-estrutura para melhorar ou viabilizar o acesso e incentivar a migração e a colonização. Entendia-se esta política como uma forma eficiente de povoar a Amazônia e, consequentemente, garantir a soberania sobre toda aquela extensão territorial.

Nas décadas seguintes, várias estratégias foram adotadas para chamar a atenção da população brasileira e despertar o interesse nacional pela região. O planejamento e a construção de importantes rodovias visava criar redes de integração espacial. Os projetos de colonização agrícola, pública e privada, procuravam atrair migrantes de outra regiões brasileiras – sobretudo da região Sul - para o Norte. A integração das estruturas produtivas da Amazônia ao mercado nacional pretendia atrair novos empreendedores.

Embora o acesso fosse parte fundamental do processo de integração, a expansão da fronteira agrícola da Amazônia não deve ser considerada como uma relação unilateral de causa e efeito com a expansão da malha rodoviária. Há, nesse contexto, uma relação de retroalimentação positiva, estabelecendo um ciclo: as melhorias atraíram mais migrantes para a região, provocaram a expansão da fronteira agrícola, justificando mais melhorias na estrutura viária e o avanço da ocupação para novas áreas, onde o processo se repetia (Fearnside1, 1982, apud Homma, 1993, p.123).

Para Homma (1993) e Becker (2005, p. 73), as significativas alterações dos padrões de ocupação, promovidos pela incorporação dessa nova rede viária, definem a passagem da "civilização da várzea" - pautada pela ocupação das margens dos rios, principais vias de acesso e comunicação da região antes da década de 60 - para a "civilização da terra firme", na qual as estradas, construídas nos interflúvios amazônicos, assumiram o papel outrora designado aos rios. Margulis (2000, p. 8) destaca a abertura de vias de acesso como a principal variável indutora dos desmatamentos.

Dessa forma, o padrão de ocupação predominante nas décadas de 60 e 70, cujos atores eram motivados pela consolidação dos grandes eixos viários de integração, caracterizou-se pela abertura de pequenas propriedades. Nelas, a utilização de processos de produção rudimentares servia basicamente para o sustento familiar. Ao mesmo tempo, incentivos fiscais para alguns grandes projetos agropecuários também tiveram papel significativo e proporcionaram a abertura e formação de grandes unidades com pastagens extensivas.

Nessa nova dinâmica territorial, promovida através de políticas oficiais, conquistava-se o direito à posse de terras devolutas pela demonstração do seu uso efetivo e morada habitual. Formalmente reconhecido desde 1850, esse recurso foi um dos principais fatores responsáveis pelos agressivos e rápidos processos de transformação da paisagem natural nas frentes de expansão (Binswanger 1991, p. 823). Assim, tal cenário de oportunidades e deficiências do sistema fundiário brasileiro, aliado à abertura de novas estradas, proporcionou o acesso às terras devolutas e promoveu o avanço do processo de disputa pelos direitos à terra.

Paralelamente, a partir da década de 70, a abertura e entrada de capitais estrangeiros, aliada aos planos governamentais, relacionados sobretudo à extração de recursos minerais, possibilitaram e aceleraram a consolidação de uma infra-estrutura, que influenciou o desenvolvimento crescente e acelerado da atividade agropecuária na região amazônica. Esse histórico de ocupação mostra que atividades como o cultivo de cacau, a extração da borracha, o cultivo de pimenta do reino e o garimpo, cederam espaço para a mineração, a pecuária e alguns cultivos, praticados de forma intensiva e através do emprego de tecnologias de ponta como, por exemplo, a soja e o algodão.

De um lado, os pequenos colonos, instalados nos projetos de assentamento, sofrem com a ausência de políticas públicas eficientes para promover seu desenvolvimento e crescimento econômico. De outro lado, as subseqüentes ondas de ocupação consolidam novos atores, geralmente grandes proprietários e empreendedores. Estes são oriundos de vários setores da agropecuária, mineração e energia, que se beneficiam das dificuldades econômicas e dos riscos associados à posse da terra e se empenham em adquirir as pequenas propriedades. Assumem as incertezas inerentes à questão dos direitos de propriedade, mas consolidam grandes extensões contínuas de terras (Castro et al., 2002).

Nesse modelo de desenvolvimento agrário, marcado de certa forma por uma estrutura "bimodal", encontra-se um "setor principal" definindo os rumos do "progresso" e do "desenvolvimento econômico" regional, acompanhado por um "setor secundário", marginal, que praticamente funciona respondendo às pressões e oportunidades definidas pelo principal, conforme descrito por Veiga (2000). É um modelo praticamente oposto ao processo de desenvolvimento agrário ocorrido nos países desenvolvidos, nos quais a agropecuária é uma atividade de caráter principalmente familiar.

Esse padrão de ocupação "bimodal" do espaço amazônico, cria um "gigantesco confronto" entre a expansão da agroindústria da soja, da pecuária e da extração da madeira, de um lado, e o uso conservacionista da floresta, de outro, defendido pela produção familiar, pelos ambientalistas e por diversas categorias de cientistas (Becker, 2005, p. 82).

A ausência de uma política agrária mais abrangente - não limitada a simplesmente assentar ou "lançar" o homem no campo - favoreceu o estabelecimento e manutenção das antigas estruturas das relações sociais e agrárias, privilegiando abusivamente as classes economicamente dominantes.

Desde o início da década de 80, o desenvolvimento e a expansão da atividade agropecuária de grande escala reforça o histórico da política agrária nacional e a conseqüente e notável explosão das taxas de desmatamento. O Governo Federal, então, prevendo e já provando as conseqüências da ocupação acelerada e desordenada (resultado das suas próprias políticas e ações), resolve limitar e reduzir os incentivos à ocupação da região Amazônica. A intenção, com essa medida, era recuperar o controle da situação e diminuir as alarmantes taxas de erradicação da cobertura florestal natural, que vinha assistindo e, de maneira ineficiente, tentando controlar (Margulis, 2004).

Mesmo após a suspensão e redução dos subsídios governamentais, no entanto, persistiram as altas taxas de desmatamento na Amazônia. Passou-se a acreditar que os desmatamentos estavam sendo efetuados pelos pequenos agricultores, através dos processos produtivos rudimentares. Alguns trabalhos contestaram essa visão e afirmaram que as altas taxas de desmatamento estariam forte e intimamente atreladas a um processo de formação de grandes áreas de pastagem para especulação com o valor da terra (Fearnside, 1993; Reydon, 2001).

Durante a década de 70, os incentivos fiscais representaram um importante papel para a construção de infra-estrutura e a base industrial, associadas à produção pecuária, assim como financiaram parte dos custos para o desenvolvimento de técnicas de produção pecuária na Amazônia. Mas desde o final da década de 80 tais incentivos fiscais perderam seu papel relevante na lista de fatores que explicam a produção pecuária observada (Margulis, 2004).

Atualmente, a Amazônia encontra-se em uma outra fase de ocupação, na qual a rentabilidade obtida com a prática de atividades extrativistas - sobretudo de madeira -, pecuárias e agrícolas transformou-se na principal força propulsora da expansão e transformação da fronteira (Alencar et al., 2004; Becker, 2005, p. 81).

Segundo dados do Projeto de Estimativa de Desflorestamento da Amazônia – PRODES (INPE, 1999), em média são desmatados, aproximadamente, 18.000km2/ano de floresta na Amazônia, sendo que o Estado do Mato Grosso é responsável por mais de 35% do total e, juntamente com o Estado do Pará, representa mais de 67% dos desmatamentos da região.

Se considerarmos que a quantificação anual das áreas desmatadas, efetuada pelo Instituto de Pesquisas Espaciais, no âmbito do Projeto PRODES, não inclui nos seus mapeamentos as áreas onde a floresta passa pelo processo de extração seletiva de madeira, nem as áreas afetadas pelos incêndios florestais, podemos concluir que existe um "desmatamento oculto" na Amazônia. Se computado, tal "desmatamento oculto" agregaria valores bastante elevados às estimativas atuais, provavelmente duplicando as taxas apresentadas (Alencar et al., 2004, p. 40).

Além disso, embora a incidência de queimadas não possa ser totalmente ou diretamente relacionada aos desmatamentos e à abertura de novas frentes para a agricultura (Miranda e John, 2000: p. 167), existe uma relação bastante forte entre esses dois eventos, principalmente na região circunscrita ao chamado Arco de Desmatamento (Pereira et al., 2000; Nepstad et al., 2002). Ferreira et al. (2005, p. 158) estimam que 80% dos desmatamentos observados na região da Amazônia Legal ocorrem motivados pelo processo de formação das pastagens para a criação extensiva de gado.

O fato de o fogo ser amplamente utilizado como ferramenta do processo de erradicação da vegetação florestal natural, por se tratar de um instrumento de baixo custo para o especulador, o colono ou o agricultor, faz com que a sua ocorrência esteja, possivelmente, relacionada à expansão da fronteira agrícola de maneira prioritária. Estudos mais detalhados da dinâmica econômica e sobre os atores do processo de expansão da fronteira mostram que o fogo está associado a várias atividades, tanto da "fronteira especulativa", quanto da "fronteira consolidada" (Margulis, 2004).

No processo de ocupação e abertura de novas áreas, parece existir uma articulação entre madeireiros e pecuaristas. Após a exploração e retirada da madeira de interesse comercial, os pecuaristas encontram maior facilidade para penetrar e ocupar as áreas, utilizando-se das estradas e caminhos abertos pelos madeireiros. Ocorre que, na Amazônia, em função da freqüente ausência ou conivência do Estado e da enorme extensão de terras devolutas, a grilagem (ou ocupação ilegal de terras) segue à frente do madeireiro. E garante sua permanência e a exploração da madeira, muitas vezes com o estabelecimento de conflitos e violência (Castro et al., 2002). Essa é uma fase de expansão que não está ligada diretamente ao uso do fogo, apesar de determinar de forma clara e definitiva o início do processo de ocupação, desmatamento e o avanço, irreversível, da fronteira agrícola.

Apesar de perceber o esgotamento do recurso, os atores envolvidos no processo de extrativismo seletivo de madeira não repensam as práticas predatórias adotadas, pois sabem que a atividade pecuária, intimamente relacionada à atividade madeireira, mantém suas oportunidades econômicas2, seja através da mudança da atividade que executam, passando da extração da madeira para a pecuária, seja pelo mercado de terras, através da venda das suas propriedades para os pecuaristas.

A chegada e estabelecimento das serrarias sinaliza o início do processo de expansão da fronteira agrícola e de apropriação da terra, nos últimos anos observado nos estados do Pará e do Mato Grosso. Invariavelmente segue-se a ocupação pela pecuária extensiva e, mais recentemente, pela produção de grãos (Alencar et al., 2004; Castro et al., 2002; Becker, 2001, Anderson, 1990, p. 9).

O uso do fogo se faz, principalmente, associado a esta segunda etapa de ocupação, na qual o processo de implantação e estabelecimento da pecuária se beneficia das queimadas como instrumento facilitador e redutor dos custos da abertura e redução da vegetação remanescente.. Nesse processo, o valor comercial da "madeira branca", remanescente da retirada da "madeira de lei" torna-se baixo demais, em função da oferta abundante e dos elevados custos de extração e transporte. Não compensa retirá-la das áreas abertas e, portanto, sua queima é a prática mais usualmente adotada para sua eliminação (Boserup, 1987).

A extração da "madeira de lei", a limpeza e a abertura das áreas, e a migração da atividade madeireira para a pecuária, reconhecidos "vilões", promotores dos desmatamentos e das queimadas, podem ser efetuados de várias maneiras e por diferentes atores, mas invariavelmente adotam o uso do fogo (Margulis, 2004; Castro et al., 2002, Fearnside, 1990a, p. 234).

Particularmente no Estado do Mato Grosso, aliada a essa trajetória espacial de atores e diferentes usos de recursos, mais uma categoria produtiva se insere no processo de uso e posse da terra, agregando maior entropia nas relações sociais e no mercado de valores econômicos e ecológicos: os grandes agricultores, sobretudo os produtores de grãos. Os empresários regionais não questionam o emergente potencial da agricultura para a região, frente à recente percepção do esgotamento da madeira e à lucratividade da pecuária. Antes, definem: "a questão é saber quanto tempo ainda durará a atividade de madeira e da pecuária, antes de começar o ciclo de grãos" (Castro et al., 2002, p. 33).

Em particular, o cultivo de soja, no Estado do Mato Grosso, tem obtido resultados econômicos tão expressivos que a sua inserção no processo de dinâmica de uso das terras pode estar, em alguns casos, assumindo o papel das atividades pioneiras3 na substituição da floresta primária (Alencar et al., 2004, p. 38). Ou seja, novas áreas de floresta são desmatadas para implantação de culturas de soja, sem passar pelo processo tradicional, no qual o madeireiro ou pequeno agricultor iniciam a substituição da floresta, para abrir caminho para a pecuária, até chegar ao cultivo de grãos. Esta hipótese foi prematuramente criticada e refutada no trabalho desenvolvido por Brandão et al. (2005, p. 12). Primeiramente, pelo simples fato dos autores julgarem não ser possível abrir e usar, no mesmo período, uma área de vegetação nativa de cerrado, e, muito menos, de floresta. E também por considerarem que as áreas de vegetação nativa não estão próximas da infra-estrutura necessária para o desenvolvimento de uma atividade de grande demanda de insumos e escoamento, como a associada à produção de soja.

Alencar et al. (2004, p. 35) consideram que, apesar de economicamente viável, a ocupação direta pela soja em áreas de floresta ainda é modesta, embora ela tenha responsabilidade indireta sobre as elevadas taxas de desmatamento no Estado do Mato Grosso, onde promoveram uma nova dinâmica entre os diferentes atores e atividades produtivas.

Motivado pela globalização e, conseqüentemente, pela formatação de mecanismos facilitadores das exportações e do comércio internacional, tal processo aumenta o interesse e as demandas de produtos da agropecuária brasileira. A abertura dessas novas oportunidades de mercado tem sido apontada como responsável pela geração de graves impactos ambientais, à medida que pode elevar a pressão sobre os recursos naturais. A produção de "commodities" obriga os pequenos produtores a se deslocarem para áreas marginais, cujos ecossistemas são mais frágeis, como no caso da fronteira agrícola brasileira (Romeiro, 1999d).

A exploração e utilização dos recursos ambientais, sem reflexões sobre a capacidade de suporte ambiental para absorver os impactos gerados, e, portanto, sem limites para o "desenvolvimento", parece ser o modelo seguido na expansão da fronteira agrícola na Amazônia. A aparente "inesgotabilidade" dos recursos naturais mascara as limitações à expansão do subsistema econômico, em detrimento do ecológico. Gera, assim, dificuldades para a conscientização dos agentes promotores do desenvolvimento, no sentido de promover e consolidar o desenvolvimento econômico da região, considerando a importância da sua complementariedade com o subsistema ecológico (Romeiro, 1999b, 1999c; Mazoyer e Roudart, 2001, p.82).

Talvez isso explique a lentidão da evolução dos sistemas produtivos tradicionais adotados na região amazônica, que perpetuam o uso de práticas e técnicas reconhecidamente rudimentares, como as queimadas agrícolas.

Esse problema reveste-se de grande complexidade, se considerarmos que o fogo afeta diretamente as características físico-químicas e a biologia dos solos (UNEP, 2004, p. 211), além de freqüentemente fugir ao controle. Nesses casos, ao destruírem remanescentes florestais e outros tipos de cobertura vegetal, os incêndios fragmentam a paisagem, alteram a biodiversidade, afetam a dinâmica dos ecossistemas, expõem os solos a processos erosivos e provocam sedimentação nos cursos d’água (EMBRAPA, 1991; Lovejoy, 2000).

Um outro impacto importante do uso do fogo, sobretudo na região amazônica, é o gradativo aumento da vulnerabilidade das florestas, após os eventos de incêndios. Como efeito das chamas, que tenham conseguido penetrar no interior de uma floresta, morrem algumas árvores adultas e a conseqüente abertura do dossel, resulta na redução e perda da capacidade de manutenção da umidade no interior da mata. Aumenta, então, a inflamabilidade da área e a floresta se torna progressivamente mais susceptível à incidência de novos incêndios (Uhl e Kauffman, 1990; Shulze, 1998; Nepstad et al., 1998, 1999b; Cochrane et al., 1999; Cochrane, 2000; Alencar et al., 2004).

Além disso, a redução da massa florestal e a fumaça emitida podem afetar o regime de chuvas local, provocando uma redução nos níveis de precipitação (Nobre et al., 1991; Rosenfeld, 1999; Andreae et al., 2004). O conseqüente agravamento dos efeitos dos períodos de seca, estabelece, assim, uma nova relação de causa e efeito bastante forte e comprometedora da perenidade da floresta (Nepstad et al., 1995, 2002). Sem contar que diversos gases presentes na fumaça das queimadas contribuem para a formação do ozônio de baixa altitude, o chamado "ozônio ruim", que afeta a produtividade das plantas e tem efeitos nocivos sobre a saúde dos animais e dos homens.

A emissão de gases resultantes da queima, numa região onde naturalmente se produzem nuvens muito altas, capazes de projetar tais gases bem acima da "camada de mistura" (os primeiros 1 a 2 quilômetros acima da superfície), potencializa as alterações na composição química da atmosfera. Os gases de carbono – sobretudo dióxido e monóxido de carbono – e os óxidos de nitrogênio, resultantes da queima, contribuem para o aumento do efeito estufa e, conseqüentemente, para as mudanças climáticas.

Seguramente, de todos os impactos negativos das queimadas agrícolas e incêndios florestais na Amazônia, este é um dos que mais tem preocupado a comunidade científica e merecido destaque na mídia, e mesmo nas negociações de acordos e convenções internacionais, pois as mudanças climáticas afetam todo o mundo.

No Brasil, por iniciativa do Governo Federal, existem atualmente alguns grandes projetos buscando identificar, delimitar, mapear, quantificar e monitorar ações relacionadas aos desmatamentos e às queimadas, procurando compreender as relações existentes entre eles, na tentativa de orientar a tomada de decisões para seu controle efetivo.

No âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia, surgiu o Projeto Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite - PRODES (INPE, 1999), considerado o maior projeto de monitoramento de florestas do mundo. O PRODES utiliza técnicas de sensoriamento remoto orbital, com suporte de um sistema de informações geográficas e há mais de 15 anos permite o acompanhamento do desflorestamento bruto da Amazônia brasileira, com o mapeamento das áreas desflorestadas, através de imagens dos satélites da série Landsat.

Paralelamente, o País também conta com a detecção e a localização de focos de calor, atividade circunscrita ao Projeto Queimadas, também ligado à esfera de ações do Ministério da Ciência e Tecnologia e desenvolvido pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE/CPTEC). Esta foi a primeira iniciativa no mundo de mapeamento de queimadas através da utilização do sensor AVHRR dos satélites da série NOAA (Kaufman et al., 1990) e apresenta dados diários para a totalidade do território nacional (Setzer e Pereira, 1991b; INPE, 2004).

Ainda na esfera do Governo Federal, a preocupação com os incêndios florestais, justificada pelo grave evento ocorrido em Roraima, no início de 1998, originou, em maio do mesmo ano, o Programa de Prevenção e Controle de Queimadas e Incêndios Florestais na Amazônia Legal - PROARCO, que emerge das funções institucionais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal - MMA. (IBAMA, 1998).

Um outro projeto desenvolvido na esfera federal, no Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento, constitui-se em uma resposta do Governo Federal à necessidade de apresentar um projeto de redução das queimadas agrícolas à sociedade. Trata-se de um programa de monitoramento e combate desta prática, através da indicação de "Alternativas Para a Prática das Queimadas na Agricultura" (BRASIL, 2001).

Infelizmente, apesar dessas e outras iniciativas governamentais, implementadas como o objetivo de identificar e monitorar os impactos da ocupação e dos processos produtivos adotados na Região da Amazônia Legal, não se logrou modificar a inércia das graves e contundentes transformações pelas quais a região vem passando nas últimas décadas. Com isso, continuamos presenciando, ano a ano, a divulgação de absurdas e irresponsáveis taxas de erradicação da cobertura vegetal natural.

Esta tese procura detectar e caracterizar a dinâmica de queimadas no Estado do Mato Grosso e identificar as condicionantes que provocaram a redução dos focos de queimadas em alguns municípios, sua manutenção e seu crescimento em outros. Dessa forma, a pergunta científica elaborada foi enunciada da seguinte maneira: Qual é a dinâmica de ocorrência das queimadas no Estado do Mato Grosso e quais são os principais fatores e agentes condicionantes da sua ocorrência?

HIPÓTESES

As hipóteses adotadas para pautar o desenvolvimento desse trabalho derivaram da formulação de três hipóteses iniciais, elaboradas e apresentadas no projeto de pesquisa original.

A primeira delas considerou que o sistema de identificação e monitoramento de queimadas adotado no Brasil estava baseado em algoritmos e procedimentos tecnológicos ultrapassados e simplistas e, portanto, apresentava dados com baixa confiabilidade e precisão.

A segunda sugeriu a existência de uma dinâmica espaço-temporal de queimadas não aleatória, determinada por variáveis ambientais, agrícolas, econômicas e culturais.

A terceira considerou que o desconhecimento dessa dinâmica, por parte das instituições e agentes governamentais responsáveis pelo combate e prevenção das queimadas, impedia a atuação preventiva e corretiva desses agentes na hora e no lugar certos e, portanto, determinava a menor eficiência na modificação desse quadro crônico nacional.

Com essa concepção, o projeto apresentava uma componente de cunho mais tecnológico, relacionada à validação do sistema de identificação, monitoramento e definição da dinâmica de queimadas e uma outra componente relacionada à questão da formatação de políticas públicas e ações governamentais para contenção do fenômeno.

Já na primeira fase de desenvolvimento do trabalho, referente à reunião das informações e dados, percebeu-se a necessidade de reformulação das hipóteses iniciais, uma vez que o projeto não havia sido concebido de forma a desenvolver uma abordagem para compreensão, julgamento e validação das estratégias e políticas adotadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela formatação e execução das políticas públicas e ações de controle de queimadas.

Uma vez avaliada e considerada inoportuna a nova dimensão e os elevados custos operacionais provenientes da inclusão dessa discussão no projeto original, foi definida a reformulação das hipóteses e a eliminação daquela relacionada à verificação dos fatores condicionantes da ineficiência das ações governamentais no combate e controle da ocorrência de queimadas.

Desta forma, esse trabalho restringiu-se à formulação e verificação das três hipóteses relacionadas abaixo, referentes à distribuição espacial e temporal das queimadas e às condicionantes da sua ocorrência.

    1. A dinâmica espaço-temporal de ocorrência de queimadas não é aleatória;

    2. Existe um padrão espacial e temporal bem definido para a ocorrência das queimadas;

    3. O padrão espacial e temporal é produto de uma interação complexa entre condicionantes naturais (sazonalidade, tipos de solos, tipos de cobertura vegetal etc.), antrópicos (tecnologia de produção, tipologias dos produtores, distância de núcleos urbanos, da rede viária, de estruturas de transformação e armazenagem etc.) e sócio econômicos (estrutura fundiária, desigualdades sociais, mercado, legislação ambiental etc.).

 


1 FEARNSIDE, P.M. Desmatamento na Amazônia brasileira: com que intensidade vem ocorrendo? Acta Amazônica, Manaus, v.12, n.3, p.579-590, 1982.

2 Essa percepção de que a pecuária na Amazônia é uma atividade economicamente viável e que, portanto, subsidia e compensa o esgotamento causado pelas práticas e processos de produção que a sucedem é criticada por vários autores citados por Reydon (2001: p.301), que sustentam a tese de ser a pecuária a pior alternativa para a Amazônia, devido às altas taxas de perdas para o ecossistema, os baixos lucros obtidos e a baixa absorção de mão-de-obra.

3 Márcio Santilli (ISA), prefaciando Alencar et al., (2004: 10), afirma existirem evidências de que a agricultura intensiva da soja está atuando diretamente sobre a cobertura vegetal natural.

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